quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

Coração...



Sentir-te dentro da pele rasgada
de lágrimas
mudo de silêncio e dor
na dormência das palavras
ditas com raiva
meu coração não morreu
tão louco de ti
por ti enlouqueceu

e já foi rosa de folhas dobradas
e cor vermelha
e já foi fogo e foi paixão
e flor e fruto e imensidão
e já foi céu azul
e já sobrevoou o mar
e já bateu tão forte
e já venceu a morte
e já foi raio e foi trovão
e já foi letra de canção
e já cruzou os céus
rasgou todos os véus
e já foi madrugada
e noite escura
e já foi pedra da calçada
e aventura…

aflito dessa aflição enlouqueceu
sobreviveu à morte
tão louco de ti
por ti sobreviveu

Quero...


Invadiu-me o frio
tenho por agasalho a letra de uma canção
e no odor a rosas, vermelhas, relembro a nossa paixão
nos lábios sinto todos os teus beijos
e na minha pele nua os teus desejos
mas a chuva, tanta, encharcou a nossa cama
entrelaçaram-se os corpos dentro da lama
o dia nasceu já, é madrugada
procuro pelo caminho, não vejo a estrada
não oiço qualquer som, nem o meu grito
não consigo vislumbrar o infinito…

Quero renascer nos olhos de uma criança
Sorrir, gargalhar até às lágrimas
aprender a gatinhar, sarar as minhas mágoas

Quero transformar meu corpo em gás
Desaparecer no mundo
Seguir em frente, não olhar para trás…

terça-feira, 28 de dezembro de 2010

na senda do Peter Pan....



Independência

Recuso-me a aceitar o que me derem.
Recuso-me às verdades acabadas;
recuso-me, também, às que tiverem
pousadas no sem-fim as sete espadas.

Recuso-me às espadas que não ferem
e às que ferem por não serem dadas.
Recuso-me aos eus-próprios que vierem
e às almas que já foram conquistadas.

Recuso-me a estar lúcido ou comprado
e a estar sozinho ou estar acompanhado.
Recuso-me a morrer. Recuso a vida.

Recuso-me à inocência e ao pecado
como a ser livre ou ser predestinado.
Recuso tudo, ó Terra dividida!

Jorge de Sena, in 'Coroa da Terra'

um desejo: que a recusa em.... seja repleta de aventuras mágicas em 2011

sexta-feira, 10 de dezembro de 2010

(...) não arrumei nem uma coisa nem outra...


Álvaro de Campos
Reticências

Arrumar a vida, pôr prateleiras na vontade e na ação.
Quero fazer isto agora, como sempre quis, com o mesmo resultado;
Mas que bom ter o propósito claro, firme só na clareza, de fazer qualquer coisa!
Vou fazer as malas para o Definitivo,
Organizar Álvaro de Campos,
E amanhã ficar na mesma coisa que antes de ontem - um antes de ontem que é sempre...
Sorrio do conhecimento antecipado da coisa-nenhuma que serei.
Sorrio ao menos; sempre é alguma coisa o sorrir...
Produtos românticos, nós todos...
E se não fôssemos produtos românticos, se calhar não seríamos nada.
Assim se faz a literatura...
Santos Deuses, assim até se faz a vida!

Os outros também são românticos,
Os outros também não realizam nada, e são ricos e pobres,
Os outros também levam a vida a olhar para as malas a arrumar,
Os outros também dormem ao lado dos papéis meio compostos,
Os outros também são eu.
Vendedeira da rua cantando o teu pregão como um hino inconsciente,
Rodinha dentada na relojoaria da economia política,
Mãe, presente ou futura, de mortos no descascar dos Impérios,
A tua voz chega-me como uma chamada a parte nenhuma, como o silêncio da vida...
Olho dos papéis que estou pensando em arrumar para a janela,
Por onde não vi a vendedeira que ouvi por ela,
E o meu sorriso, que ainda não acabara, inclui uma crítica metafisica.
Descri de todos os deuses diante de uma secretária por arrumar,
Fitei de frente todos os destinos pela distração de ouvir apregoando,
E o meu cansaço é um barco velho que apodrece na praia deserta,
E com esta imagem de qualquer outro poeta fecho a secretária e o poema...
Como um deus, não arrumei nem uma coisa nem outra...

.... é a minha maneira de estar sózinha....



Não tenho ambições nem desejos.
ser poeta não é uma ambição minha.
É a minha maneira de estar sózinho.
...

Ou quando uma nuvem passa a mão por cima da luz
E corre um silêncio pela erva fora.
...
Porque quem ama nunca sabe o que ama
Nem sabe porque ama, nem sabe o que é amar...
...

Da minha aldeia vejo quanto da terra se pode ver do Universo...
Por isso a minha aldeia é tão grande como outra terra qualquer,
Porque eu sou do tamanho do que vejo
E não do tamanho da minha altura...
...

A mim ensinou-me tudo.
Ensinou-me a olhar para as coisas.
Aponta-me todas as coisas que há nas flores.
Mostra-me como as pedras são engraçadas
Quando a gente as tem na mão
E olha devagar para elas.

(Fernando Pessoa)

terça-feira, 7 de dezembro de 2010

.... o tempo vai passando.....

neste tempo de ausência senti como se tivesse abandonado este local que considerei tanto tempo como o "meu canto".... um local priveligiado de partilha e divagação, de inspiração, de encontro e reflexão, de pausa no tempo... no meu tempo.... mas, sobretudo, um espaço de encontro... de encontro comigo própria... de encontro com ... "os outros"...

abandonei este local tal como me abandonei ao sabor das emoções durante este período de tempo... de pausa... de espera.... de encontros e desencontros... de procura e descoberta.... de alguma luta... algumas lágrimas.... mas sobretudo de mudança...

queria poder dizer que me sinto completamente feliz....

a vida é demasiado complicada.... as pessoas são demasido complicadas.... o egoísmo... o ciúme... a maldade... o despeito... o desrespeito.... o(s) hábito(s).... e as coisas mais práticas, como ter casa, emprego, o que comer.... ter (algum) dinheiro.... não para esbanjar, mas para fazer face às "necessidade normais" do dia a dia.... mesmo que a necessidade seja apenas tomar um café..... seja apenas a compra de uma pequena lembrança para comemorar uma data especial...

com isto quero dizer que há coisas importantes, diria até fundamentais, que não existem... e outras perfeitamente descartáveis que sobejam.... no fim... resta (apenas) o sentimento... um grande sentimento.... um sentimento que existe... um sentimento que é partilhado.... e que foi comunicado a quem de direito...

Depois existe o sonho....

o sonho da concretização de todos os nossos planos.... trabalhados diariamente até à exaustão..... pensados.... construídos e fundamentados no desejo de transformar o sonho nessa realidade que podemos sentir e distinguir quase ali.... tão próxima que se estendermos a mão lhe podemos tocar.... mas que ainda assim não foi ainda....

resta, continuar a lutar....
resta, continuar a acreditar....
resta, continuar a amar....
resta, sempre, a capacidade de sonhar.....



resta, ainda e sempre, a capacidade de sorrir....